A recente campanha publicitária estrelada por Anitta, em parceria com o Mercado Pago, causou furor nas redes sociais. Com uma pegada bem-humorada e provocativa, a ação conseguiu o que toda marca deseja: atenção. Mas a que custo? A estratégia gerou discussões relevantes sobre os limites éticos e jurídicos da publicidade comparativa, especialmente quando envolve antigos parceiros de negócios – no caso, o Nubank.

Ainda que as comparações feitas na campanha não tenham sido explícitas, o subtexto era evidente. A comunicação mirava em um concorrente específico e, coincidentemente (ou não), o mesmo banco com o qual a artista mantinha um contrato de media for equity. Essa combinação explosiva nos leva a refletir sobre os pilares da boa-fé objetiva, conceito fundamental no Direito Contratual brasileiro. Ele exige que, durante toda a vida de um contrato – da negociação à execução -, as partes atuem com lealdade, transparência e cooperação. No campo da publicidade, isso se traduz em ações que respeitem a veracidade, evitem comparações enganosas e mantenham a concorrência dentro dos limites da ética mercadológica.
Publicidade comparativa e os limites da lealdade concorrencial 1j2g4v
Até aqui, não há sinal de que a campanha tenha violado diretamente esses princípios. Mas será que ela esticou demais a corda? A legislação brasileira permite publicidade comparativa, desde que objetiva, informativa e não difamatória. Nesse caso, a provocação foi velada, mas clara o suficiente para despertar interpretações e desconfortos. É exatamente este o ponto de tensão: até onde vai o “bom humor” publicitário antes de se tornar uma violação à lealdade concorrencial?
Interferência indevida e responsabilidade de terceiros 5b5x12
Outro aspecto que merece atenção é o da tutela externa do crédito, conhecida no Direito anglo-saxão como tortious interference. Trata-se da proibição de interferência indevida de terceiros em relações comerciais legítimas. No Brasil, esse conceito é complementado pela teoria do terceiro cúmplice, segundo a qual não só quem pratica o ato interferente, mas também quem o incentiva ou viabiliza pode ser responsabilizado. Isso significa que, se a intenção de prejudicar um concorrente for comprovada, até a agência de publicidade que bolou a campanha poderia ser chamada à responsabilidade.
Criatividade versus responsabilidade jurídica e ética 2l6s10
Não se trata de tolher a liberdade criativa ou impedir campanhas ousadas – pelo contrário. A inovação no marketing é não só bem-vinda como necessária. No entanto, há uma linha tênue entre criatividade provocativa e deslealdade comercial. Quando uma marca decide usar influenciadores de grande alcance como Anitta, essa linha pode se tornar ainda mais tênue. A visibilidade multiplica os impactos, inclusive os jurídicos e reputacionais.
Por enquanto, não há ações judiciais em curso, mas isso não significa que o risco não exista. A provocação funcionou? Sem dúvida. Mas a campanha também escancarou um dilema cada vez mais presente: como equilibrar campanhas memoráveis com responsabilidade jurídica e ética? O mercado exige esse cuidado, e o público, cada vez mais crítico, também.
O caso de Anitta, Mercado Pago e Nubank nos mostra que uma campanha de sucesso vai muito além do “barulho” nas redes. Para ser realmente eficaz, ela precisa respeitar o ecossistema em que está inserida – jurídico, ético e mercadológico. Caso contrário, o buzz do presente pode se transformar em dor de cabeça no futuro.